terça-feira, 24 de novembro de 2009

Pílula


Isso é, definitivamente, a pílula mais difícil de engolir. De todas as dores e drogas que tomei, me depedir de você é a mais amarga e insolúvel de todas. Eu adio esse momento há anos, te salvando, te amando, te protegendo e te cegando da dor da partida.

Mas tem coisas que não cabem a mim decidir, e horários que não cabem a mim definir. Eu sou gente, e mais do que isso, eu sou alguém que te ama. Pra mim, parece nunca haver tempo de dizer adeus. Porque não existe adeus, não existe fim.

Eu rasguei com a minha unha aquele papel laminado em que a pílula está. Agora ela está na palma da minha mão. Eu a olho de longe, com medo do que meu próximo ato vai me causar. O copo d'água está na mesa, me esperando também. Eu o olho. Argh, nojo.

Agora vai. Ponho a pílula branca na boca, e dou um gole da água. Meus músculos se contraem, como se qualquer movimento meu pudesse fazer a pílula descer de modo mais doloroso. É uma reação involuntária (ou será voluntária?) do meu corpo pra não engolir, pra deixar a pílula ali na boca, mesmo que incômoda, mas que assim nunca precisaria ser digerida ou coisa do tipo.

Porque a sua partida é isso. Algo incômodo que está na minha boca esperando pra ser digerido, enquanto eu luto pra não ter que engolir. E quer saber? Passaram-se dias, semanas, e eu não engoli. A pílula está aqui, a ideia, a saudade e tudo o que vivemos também. Não quero ver a realidade. Ou melhor, não quero ter que digerir a saudade.



Por Mariana Filizola

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